Aqueles que nos fazem chorar ao acordar

Aqueles que decidem que pouco valemos,

Aqueles que não respeitam o facto de sermos humanos,

Aqueles que nos vêm como seres inúteis,

Aqueles que nos tratam com despeito,

Que nos olham com nojo,

Aqueles que não nos acompanham,

Aqueles que exigem perfeição mediante as suas próprias imperfeições,

Aqueles que nos tiram sem agradecer,

Aqueles que nada nos dão,

Aqueles que nos cospem no ego,

Que nos esquartejam o amor próprio,

Tal como aqueles que nos ignoram...

Estão perdoados.

Ao fim de algum tempo,

Devemos aplicar o tempo a perdoarmos a nós próprios por termos permitido que alguém um dia tenha decidido nos tratar desta forma. 

Todos temos uma altura em que podemos optar, entre o despeito e o amor... Uns optam pelo caminho mais fácil, o despeito... resta aos outros a construção do amor, em especial o próprio.

Haja cola para tantos cacos ... haja guita para os segurar também. 



Os outros à nossa volta

 Viver quem nos rodeia é importante.

Há um ano entrei na oficina de mecânica que há anos me cuida da segurança do veículo a 4 rodas.

Encontrei um cenário de limite, o mecânico, normalmente sério e algo mal humorado (mas de sorriso simpático e paciência para me aturar), estava diferente.

As cadeiras dos 2 cães estavam vazias, tal como a oficina. Havia um vazio gélido nos seus olhos. E perguntei se me podia ajudar com as coisas habituais. Disse que não sabia se me podia ajudar.

O homem que normalmente tornava coisas, para mim, complexas em coisas simples... não sabia. 

Insisti: Pronto está bem, mas eu trago o carro e logo se vê, combinado?

Respondeu encolhendo os ombros e sentando-se na cadeira vazia da cadela Joana.

Perguntei: Onde estão, a Joana e o King?

Ao senhor caiem-lhe umas lágrimas, completamente desarmado... "tive que as dar, tive que vender a minha casa, vivo aqui agora, estou a falir. Não lhe posso tratar do carro."

Perguntei: Já faliu? É que tem a porta aberta. Para mim não faliu. 

Olhou-me nos olhos e disse, "estou com problemas sérios. Não sei se daqui a umas semanas esta oficina existe. "

Comecei, como sempre faço, por partir o problema aos bocados. O problema tinha muitas dimensões, e ficámos a falar um bom bocado. Havia de facto uma esperança de se resolver parte do problema em 3 semanas. O pior era a espera, e todas as outras dimensões incalculáveis.

Disse-lhe a frase de La Palice: 

Há fases na vida em que nos afundamos até às profundezas de várias misérias... no entanto, a nossa única hipótese é bater no fundo e fazer um impulso com as pernas para subir com força! Portanto, vamos esperar, e até lá assumir que se tem de bater mesmo no fundo, para fazer o caminho do impulso.

Deixei lá o carro, onde ficou dias e dias porque não me podia comprar a peça. Comprei-a eu e fui lá dar-lha. Não queria arranjar de todo, mas fiz-me de parva. Arranjou. Fui lá passando dia sim, dia não, para o ver e estava cada vez pior em termos físicos.

Um dia tinha notícias, e eram as melhores dentro do quadro. Mas continuei a lá passar, só para acenar um olá. 

Passadas umas semanas, a oficina estava reerguida, ele tinha emprego e a esperança tímida mantinha-se.

Hoje, passado um ano, lá entrei novamente com problemas complexos. Voltou a torná-los simples. No chão vi um jornal, ao lado um balde com areia de gato. Procurei as cadeiras dos cães, e estavam lá, mas vazias. Baixei o olhar e vi uma pequena trela no chão... dei um passo para trás da porta e vi, dentro de uma caminha fofa, embrulhada numa manta quente, uma cadelinha muito jovem a dormir.

O meu coração saltou de felicidade, olhei para o senhor e ficámos uns bons minutos a olhar, para dentro dos olhos um do outro, enquanto eu fazia uma dança silenciosa e ridícula. Ambos sabíamos o que significava a presença daquele novo ser na vida dele.

Sem dúvida que ficámos amigos, tenho para mim que já éramos.

 






 


Não ter tempo é chique

Tão atual como há uns anos atrás.

Não ter tempo é novo Porche. 

Pessoas sem tempo são muito ocupadas com muitas coisas, fazem tudo e mais um par de botas. Tudo.

Menos algumas coisas, para as quais, de facto, não têm tempo. 

São chiques. 

Não ter tempo é uma espécie novo-riquismo.

Já nós, os que arranjam tempo, vá-se lá saber como, somos pessoas tão básicas e maltrapilhas. 

Só para esclarecer: andar a pé é a nova nobreza! Temos tempo para o essencial, temos é menos tempo para perder com pessoas que de facto, não partilham o tempo.

Curiosamente, o tempo passa com o tempo, para todos e ao mesmo tempo. Uns degustam-no outros desgostam, desgastam, engasgam-se e sufocam. 

(Tenho, secretamente, o plano de ir uma vez ao cabeleireiro até ao Natal)






Pantufas

Enganei-me, queria dizer, PANestufas!

(Tinha isto há dias entalado na coerência. Já saiu! Adiante!)

A maleita do activismo que se transforma em fanatismo

Preocupa-me.

Sintomas: 

1- A causa sobrepõe-se à vida circundante. 

Quando o activismo se transforma em fanatismo a causa deixa de ser vivida, porque só se vive o fanatismo.

3- Só o fanatismo, disfarçado de objecto, tem espaço de partilha. 

4- Todas as opiniões complementares, ainda que não discordantes, são inválidas.

5- As apreciações moderadas são combatidas com agressividade.

Prevenção: É preciso ter algum cuidado com a sobreposição da atitude sobre a causa à própria vida. 

Tratamento: Cuidados paliativos. O melhor é prevenir. 

Tratamento alternativo: Exclusão social para uma ilha deserta onde se convence facilmente toda a gente que a causa é maior que outros aspectos da vida, e deve, por isso, formatar o modo de viver de todo o deserto da vida (enganei-me, todo o deserto da ilha).

O sonho

Não sei o que foi, mas acordar com a clara sensação de que se tem uma vida boa é uma coisa extraordinária.

As dificuldades são muitas, os desafios também, a perfeição é uma utopia.

Mas, quer dizer, ter o básico, ainda que coxo, ter saúde suficiente para uma gripe ligeira, ter um amor profundo por uma série de pessoas, ter trabalho e vontade de trabalhar. 

Olhar pela janela e estar Sol. 

Caramba, que sorte.

Tropeço habitual

Parece que, quando seguimos pelo futuro e tropeçamos no passado, estamos viver o presente! 

É preciso ter cuidado para não cair a meio!


(Percebi isto ao cair de uma tarde mas ainda fui a tempo)

Receita para se sentir feliz.

  Ingredientes:

  1. Sentimentos (da melhor qualidade e de preferência frescos)
  2. Imaginação
  3. Filtro (pode ser pano de coar com malha apertada)
  4. Loucura qb
  5. Esperança (quantidade generosa)
  6. Tacho sólido (de preferência com aprendizagens impregnadas) e com tampa

Receita:

Use o filtro, coe a negatividade dos outros para dentro do tacho. O processo é moroso mas vale a pena, todo o criticismo, comentários depreciativos, toda a desvalorização e falta de respeito devem sair. No pano deve apenas ficar o que é bom. 

Seguidamente feche a tampa e deite fora o tacho. 

Verifique com cuidado o pano. Se estiver vazio, deite fora também.

Pegue na esperança, use a imaginação com amor e exerça pequenas loucuras daquelas que proporcionam sorrisos. Deixe apurar. 

No final, acerte o tempero com mais loucura, imaginação e amor à descrição. 

Repita pela vida fora.

(Se as mãos ficarem peganhentas, é bom sinal. Lamba os dedos)


O banco vazio


Num museu de dimensão razoável, uma pessoa vê no horizonte um sinal de esperança, os pés ganham ânimo e conseguem o que parecia impossível, e aceleram! Um banco vazio, um imediato agradecimento às forças positivas do universo, um sorriso, um alívio anunciado!! Eis senão quando, a antítese de tudo. O absurdo. Um banco que não serve para sentar. Só para ver. O banco que não o é. O símbolo do parecer que sabe, que se é, que se serve. Mas não se cumpre. Um artista um dia lembrou-se de fazer um banco só para se ver.

Em mim a emoção é motivada pela dor, lágrimas de agonia perante o que parece possível. Mas não é. Balde de água e fria e umas quantas pragas lançadas à redefinição do conceito de um banco. As forças positivas do universo riam-se, e eu ouvia resignada o eco das gargalhadas. O meu rabo não era digno de repousar na obra.
Nunca tinha pensado no meu rabo como algo pouco digno, ou com uma qualquer categoria especial.
O banco em que não me pude sentar tinha umas letras que, num acto de irreverência, não li. Num banco onde o meu rabo não se senta, os meus olhos não se demoram!!  Foi uma singela, mas sentida homenagem à importância do conceito. Excepções só à bebida Brasa, que parece que é mas não é, mas essa aquece o coração.

Terapia

Uma pessoa com a mínima consciência de si, quando sente que estão todos loucos desconfia e vai-se tratar.

Infelizmente, o terapeuta não diagnostica a desejada insanidade, e ele próprio se deprime. Não cobra consulta e ainda pede para ficarem a falar mais um bocado.

O próprio terapeuta precisava de desabafar: "estão todos doidos... obrigada por ter aparecido."

Uma pessoa com a mínima consciência de si, vai-se tratar, deprime o terapeuta e sai com pouca esperança da sessão. Podemos sempre tratarmo-nos mas pouco podemos fazer pelos outros.

Uma pessoa com a mínima consciência de si, vai-se tratar.  Deprime o terapeuta mas arrebita.

Pensava que era eu, fui-me tratar, afinal são os outros. Mas não todos.

Receituário: controlo periódico dos efeitos colaterais da insanidade dominante.

Receita para se sentir feliz.

  Ingredientes: Sentimentos (da melhor qualidade e de preferência frescos) Imaginação Filtro (pode ser pano de coar com malha apertada) Louc...