Viver quem nos rodeia é importante.
Há um ano entrei na oficina de mecânica que há anos me cuida da segurança do veículo a 4 rodas.
Encontrei um cenário de limite, o mecânico, normalmente sério e algo mal humorado (mas de sorriso simpático e paciência para me aturar), estava diferente.
As cadeiras dos 2 cães estavam vazias, tal como a oficina. Havia um vazio gélido nos seus olhos. E perguntei se me podia ajudar com as coisas habituais. Disse que não sabia se me podia ajudar.
O homem que normalmente tornava coisas, para mim, complexas em coisas simples... não sabia.
Insisti: Pronto está bem, mas eu trago o carro e logo se vê, combinado?
Respondeu encolhendo os ombros e sentando-se na cadeira vazia da cadela Joana.
Perguntei: Onde estão, a Joana e o King?
Ao senhor caiem-lhe umas lágrimas, completamente desarmado... "tive que as dar, tive que vender a minha casa, vivo aqui agora, estou a falir. Não lhe posso tratar do carro."
Perguntei: Já faliu? É que tem a porta aberta. Para mim não faliu.
Olhou-me nos olhos e disse, "estou com problemas sérios. Não sei se daqui a umas semanas esta oficina existe. "
Comecei, como sempre faço, por partir o problema aos bocados. O problema tinha muitas dimensões, e ficámos a falar um bom bocado. Havia de facto uma esperança de se resolver parte do problema em 3 semanas. O pior era a espera, e todas as outras dimensões incalculáveis.
Disse-lhe a frase de La Palice:
Há fases na vida em que nos afundamos até às profundezas de várias misérias... no entanto, a nossa única hipótese é bater no fundo e fazer um impulso com as pernas para subir com força! Portanto, vamos esperar, e até lá assumir que se tem de bater mesmo no fundo, para fazer o caminho do impulso.
Deixei lá o carro, onde ficou dias e dias porque não me podia comprar a peça. Comprei-a eu e fui lá dar-lha. Não queria arranjar de todo, mas fiz-me de parva. Arranjou. Fui lá passando dia sim, dia não, para o ver e estava cada vez pior em termos físicos.
Um dia tinha notícias, e eram as melhores dentro do quadro. Mas continuei a lá passar, só para acenar um olá.
Passadas umas semanas, a oficina estava reerguida, ele tinha emprego e a esperança tímida mantinha-se.
Hoje, passado um ano, lá entrei novamente com problemas complexos. Voltou a torná-los simples. No chão vi um jornal, ao lado um balde com areia de gato. Procurei as cadeiras dos cães, e estavam lá, mas vazias. Baixei o olhar e vi uma pequena trela no chão... dei um passo para trás da porta e vi, dentro de uma caminha fofa, embrulhada numa manta quente, uma cadelinha muito jovem a dormir.
O meu coração saltou de felicidade, olhei para o senhor e ficámos uns bons minutos a olhar, para dentro dos olhos um do outro, enquanto eu fazia uma dança silenciosa e ridícula. Ambos sabíamos o que significava a presença daquele novo ser na vida dele.
Sem dúvida que ficámos amigos, tenho para mim que já éramos.